A corrida pelo ouro no Brasil: como o garimpo ilegal ameaça os povos indígenas


Como o garimpo ilegal ameaça os povos indígenas?
O Brasil vive uma corrida pelo ouro e viu crescer as áreas de garimpo ilegal no país. O avanço dessa atividade criou uma indústria ilegal de grande porte, que destrói o meio ambiente, contamina rios e ameaça comunidades indígenas.
O garimpo avança no país há décadas e tem regulamentação. No entanto, o que se entende por atividade garimpeira — um trabalho manual, com pouco lucro — não é mais a realidade. A exploração de terras por ouro vem devastando áreas, impondo violência e arrecadando milhões. A corrida pelo ouro ganhou força em 2019, com a flexibilização da atividade somada à alta dos preços do ouro com a pandemia.
Área degradada pelo garimpo no Alto Catrimani, na Terra Indígena Yanomami
Lucas Silva/Platô Filmes/ISA
➡️Ao g1, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), afirma que “mantém diversas ações de fiscalização ao garimpo ilegal na Amazônia, tanto em campo como via satélite”.
🔴 Hoje, o território de áreas usadas para o garimpo, segundo o dado mais recente do MapBiomas, que monitora o garimpo, é de 2,4 mil km². Isso equivale a quase duas vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a análise de pesquisadores em um estudo publicado na revista científica “Nature”, 77% de toda essa área tem exploração ilegal.

Esses números se traduzem em garimpeiros desmatando quilômetros de vegetação, poluindo rios, instalando pistas de voo em meio à natureza antes silenciosa e impondo violência sobre os povos locais. O caso mais recente revelado foi o do povo Yanomami, exposto à morte e à fome por causa do garimpo ilegal. (Leia mais abaixo)
Desde que assumiu, o presidente Lula disse publicamente que tem um compromisso com o combate ao garimpo. O governo articulou uma força-tarefa com o Ministério da Defesa para intervir nos estados afetados e desarticular garimpeiros. Mas o que especialistas explicam é que é preciso mais para conter a atividade ilegal.
A corrida pelo ouro no país
Por definição, o garimpo é caracterizado pela extração mineral de pequeno volume, manual e, por isso, com baixo impacto ambiental. Mas essa não é mais a realidade do ouro extraído no país, onde os garimpos estão cada vez mais profissionais, agressivos e industriais.
🔴 Em 2023, a Polícia Federal descobriu um grupo de garimpo no Pará — estado em que a atividade ilegal é mais intensa — que movimentou R$ 4 bilhões em ouro extraído da Amazônia e levado para países como Dubai, Itália, Suíça, Hong Kong e Emirados Árabes Unidos.
Área de garimpo ilegal no Pará.
Reprodução / TV Liberal
O garimpo e a histórica busca por ouro no Brasil são antigas, mas a atividade tomou proporções nunca antes vistas nos últimos anos.
De acordo com os dados do MapBiomas, que monitora as áreas de garimpo no país, em 1985, primeiro ano de monitoramento, a área de exploração de ouro artesanal no país era de 181 km². A atividade já tinha conexão com a ilegalidade, mas isso foi crescendo ao longo dos anos e explodiu em 2019, sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
À época, Bolsonaro fez vista grossa ao avanço do garimpo, principalmente sobre áreas de preservação e terras indígenas. O ex-presidente chegou a editar decretos que estimulavam o garimpo, principalmente em áreas da Amazônia.
A facilidade se somou à oportunidade de lucro, com o aumento recorde do ouro na pandemia. Desde então, o garimpo de ouro cresceu mais de dez vezes no país. Segundo o dado mais recente do MapBiomas, de 2023, a área de garimpo no país é de 2,4 mil km² — mais de duas vezes a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo.
Esse cenário causou uma corrida pelo ouro, com a abertura de mais áreas, invasão de terras protegidas e territórios indígenas. Entre 2019 e 2023, houve um aumento de 54% em todo o território de garimpo no país.
🔴 De acordo com a análise do MapBiomas, 77% de toda essa área é de exploração ilegal — seja por estar em área de preservação, em terras indígenas ou por não ter as licenças necessárias para a operação.
Dimensão do garimpo no Pará
Arte/g1
O estado mais afetado foi o Pará, que concentra a maior parte da exploração de garimpo no país — são mais de 141 mil hectares. O estado, que neste ano recebe a COP30, que vai debater as mudanças climáticas, tem cidades que dependem economicamente do garimpo ilegal, como é o caso de Itaituba e Jacareacanga.
🔴 Itaituba é uma das cidades que mais produzem ouro no país — a maior parte, ilegal. Jacareacanga também tem como principal atividade a extração de ouro em garimpos. Apesar dos milhões que saem das minas, a cidade tem indicadores sociais pífios, e mais de 60% dos moradores dependem de benefícios assistenciais do governo federal.
Não é por acaso que o Pará lidera. No estado, a licença para o garimpo é municipal, o que afrouxa a fiscalização e permite a expansão da atividade.

Os dados de 2024 sobre o garimpo ainda não estão consolidados, mas os especialistas são pessimistas quanto à contenção. O governo federal, desde que assumiu, realizou operações para desarticular garimpos ilegais, investigações com apreensões de equipamentos e prisões, mas é preciso mais que isso para conter a atividade ilegal. Em pouco tempo, os garimpos fechados voltam a funcionar.
É necessária uma reforma política que envolva o governo federal, estados e municípios para conter o avanço que permitiram ao garimpo. Estamos falando de uma estrutura que atua com ramificações como o tráfico de drogas e gira bilhões de reais. É mais do que desarticular pontos de garimpo.
Indígena brasileiro com a frase “garimpo mata” escrita nas costas em protesto contra o aumento das atividades de mineração
Eraldo Peres/AP
As consequências do garimpo ilegal
O garimpo vem avançando sobre a floresta e causando consequências. Para a exploração, as bases são construídas em meio à vegetação, desmatando áreas enormes. Com o uso do mercúrio, contaminam-se as águas e afetam-se as comunidades locais — como é o caso dos Yanomami.
Enquanto avança, o garimpo causa:
Desmatamento e degradação ambiental: para instalar sua estrutura, o garimpo devasta áreas preservadas da floresta.
Vista aérea de um garimpo ilegal no território Yanomami durante uma operação do Ibama contra o desmatamento da Amazônia.
ALAN CHAVES/AFP
Contaminação por mercúrio: o uso indiscriminado de mercúrio na extração de ouro contamina rios e peixes, afetando a saúde das populações ribeirinhas e indígenas que dependem desses recursos para alimentação.
Imagens mostram efeito do garimpo sobre o rio Uraricoera na Terra Indígena Yanomami
Laboratório de Inteligência Geográfica em Ambiente e Saúde (LIGAS), da Universidade Veiga de Almeida.
Conflitos em terras indígenas: a invasão de terras indígenas por garimpeiros ilegais tem gerado conflitos com comunidades locais, resultando em violência e ameaças aos direitos territoriais dos povos originários.
PM apreende 47 kg de ouro do garimpo ilegal em Manaus e PF diz que é a maior apreensão da história do Amazonas
PF-AM
Financiamento de atividades criminosas: o garimpo ilegal tem sido associado ao financiamento de outras atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, fortalecendo organizações criminosas na região amazônica. Uma investigação recente apontou que o PCC, facção criminosa, atua há pelo menos 15 anos com garimpo na Terra Yanomami.
“O país não pode admitir a perda de controle para essa atividade ilegal que é base de tantas outras, que ameaça nosso patrimônio, natureza e povos originários. É preciso agir de forma articulada e urgente”, pontua o pesquisador Cézar Diniz.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a chamada “presunção de boa-fé” no comércio do ouro, que facilitava o garimpo ilegal no país. A lei a permitia que uma declaração de regularidade quanto à origem do ouro fosse emitida pelos próprios vendedores.
Isso permitia que garimpeiros ilegais praticassem crimes na cadeia de extração do minério e pudessem “legalizar” todo o processo por meio da emissão de uma autodeclaração de regularidade. A expectativa é de que o fim do dispositivo legal dificulte a “lavagem” de ouro ilegal no país.
A ameaça aos povos indígenas
O garimpo ilegal em terras indígenas na região Norte do Brasil aumentou mais de oito vezes entre 2016 e 2022, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
As atividades foram detectadas nas Terras Indígenas Yanomami, em Roraima, e em seis reservas do Pará: Sai-Cinza, Munduruku, Baú, Kayapó, Apyterewa e Trincheira/Bacajá.
Avanço do garimpo em terras indígenas de 2016 a 2022
Arte/g1
O caso mais emblemático do impacto do garimpo ilegal é o da Terra Yanomami, o maior território indígena do Brasil, com quase 10 milhões de hectares. A área, que se estende pelos estados de Roraima e Amazonas, abriga cerca de 32 mil pessoas distribuídas em mais de 370 comunidades.
Os Yanomami vivem tradicionalmente da caça, da pesca e do cultivo de pequenas roças, em um modelo de subsistência que depende diretamente da floresta e dos rios limpos. Nos últimos anos, no entanto, o avanço do garimpo ilegal transformou profundamente esse modo de vida.
Com a chegada de mais de 20 mil garimpeiros, os rios foram contaminados por mercúrio — metal usado na separação do ouro —, e os peixes, principal fonte de proteína das aldeias, se tornaram impróprios para consumo. A destruição ambiental também afastou os animais de caça e reduziu as áreas cultiváveis, provocando escassez de alimentos.
O resultado foi uma crise humanitária: surtos de malária, desnutrição e infecções respiratórias se multiplicaram, principalmente entre crianças.
🔴 Em 2023, o governo federal decretou emergência sanitária e passou a prestar atendimento médico e alimentar emergencial na região.
Desde então, tem adotado medidas de repressão, aumento da fiscalização e atendimento médico aos indígenas.

Fonte: g1