'A primeira vez que eu vi um corpo eu tinha 8 anos': os impactos psicológicos de quem vive em áreas de conflito

As consequências de viver com medo
“Paz? Eu não sei direito o que é paz. Mas eu acho que é um pedido para fazer as pessoas pararem de virar bandido.” Letícia tinha apenas sete anos quando disse isso à repórter Bette Lucchese, brincando no balanço.
Hoje, aos 15 anos, ela e a mãe, Camila, ainda vivem sob o medo constante no Complexo do Alemão. “As respostas também eram uma surpresa para mim, enquanto mãe. E dava tristeza, porque a Letícia ainda não sabe o que é paz. Já se passaram oito anos, e ela ainda não sabe o que é paz”, contou Camila.
O trauma de viver em áreas de conflito também esteve presente na infância da mãe.
“A primeira vez que eu vi um corpo eu tinha oito anos de idade. Eu não sou capaz de mensurar a quantidade de conflitos que eu testemunhei”, afirma Camila.
Psicóloga especializada em moradores em áreas de conflito, Rebeca Sinna, explica que a vivência nessas regiões pode gerar estresse crônico.
“Um dos principais é o sintoma da ansiedade, da depressão, um dos traumas mais graves, que essa semana muitos deles devem ter sido acometido é o transtorno de estresse pós-traumático”, explica a especialista.
Desde o ano passado, o atendimento a questões de saúde mental nas unidades de urgência e emergência da cidade do Rio de Janeiro cresceu 24%. São casos de síndrome do pânico, crises de ansiedade, transtornos de humor e surtos psicóticos. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, todos estão relacionados a situações de estresse em áreas dominadas pelo tráfico e pela milícia.
Segundo o serviço psicológico da Polícia Militar do Rio, o atendimento a policiais com problemas de saúde mental quase dobrou desde o ano passado.
Depois de viver 10 anos no Complexo do Alemão, uma moradora que preferiu não ser identificada deixou sua casa com a saúde fragilizada pelo estresse contínuo.
“A casa que eu morava tinha três meses. Eu fui trabalhar, tive um AVC no meu trabalho. Todo dia você chegar, você passar pelo meio deles, você tem medo! O tiroteio é de repente, gente. Só quem sabe é quem passa”, afirma a moradora.
Segundo a psicóloga Rebeca Sinna, não há cura possível para quem continua vivendo nesses territórios:
“Eu ouso, na verdade, dizer que não existe nem tempo para a cura, porque é algo que acontece com frequência. Quem está ali sempre será afetado. Não há medicação senão a própria paz que precisamos oferecer como resposta a essa sociedade”, afirma a especialista.
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Fonte: g1