Boca da Onça: seca revela desmoronamento da parte que dá nome à maior cachoeira de MS


Boca da Onça: parte da maior cachoeira de MS desmorona com seca
A Cachoeira Boca da Onça, a maior de Mato Grosso do Sul, com 156 metros de altura, está desmoronando. A rocha que dá nome ao ponto turístico perdeu a forma conhecida: a cara de um felino. Especialistas acompanham o processo há pelo menos dois anos. Imagens comparativas mostram a mudança na paisagem. Veja o vídeo acima.
O g1 reuniu imagens que mostram a mudança no paredão rochoso. Em vídeos de 2014, ainda é possível ver a formação que lembrava a “boca” da onça. Em imagens deste mês, a parte da rocha desapareceu.
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A queda d’água fica na Serra da Bodoquena, em uma propriedade privada. Segundo especialistas, o desabamento é atribuído a dois fatores:
🥵A seca, causada pelos eventos climáticos adversos;
🔥Desmatamento, que pode estar ligado à ação humana.
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O gerente da fazenda Boca da Onça, Luís Henrique Soares de Melo, explicou que a falta d’água é causada principalmente pela estiagem. “As nascentes formam o córrego que percorre mais de 10 km dentro da fazenda. Pela característica do solo poroso, a água da chuva cai, mas não é suficiente para chegar até a cachoeira”, disse.
Mesmo com a escassez de água, o local continua recebendo visitantes e busca alternativas para manter os passeios. Em julho, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul abriu um inquérito civil para investigar intervenções na região da Serra da Bodoquena. O órgão não respondeu aos questionamentos enviados pelo g1.
Paredão em formato de onça é formado por rochas esponjosas
A Cachoeira Boca da Onça é patrimônio natural de Mato Grosso do Sul e um dos principais atrativos da Serra da Bodoquena. A queda d’água faz parte do complexo do cânion do rio Salobra e está na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra da Bodoquena.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em geologia, Paulo César Boggiani, explica que as rochas da região são calcárias e precisam de água para se manter firmes. A Boca da Onça é uma grande formação destes tipos de rochas de tufas calcárias, que podem se desmanchar sem a presença de água.
Ele detalha que as tufas crescem com a ajuda de microrganismos, principalmente cianobactérias, que vivem na água e se alojam em troncos caídos. “Em um padrão normal, essas tufas têm tendência a crescer porque o carbonato de cálcio se deposita ao redor do tronco durante a fotossíntese feita pelas cianobactérias”, disse.
Segundo o professor, os musgos que crescem nos troncos com contato com a água servem de base para que as cianobactérias façam a fotossíntese. Nesse processo, o gás carbônico é retirado da água, e o carbonato de cálcio se deposita ao redor do tronco. Com o tempo, isso forma a tufa calcária e permite que ela continue crescendo.
Falta de chuva, seca, mudanças climáticas e desmatamento
A cachoeira enfrenta falta de água desde outubro deste ano, embora o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indique quase 200 milímetros de chuva no mesmo período na região.
⚠️ A seca já afetou a Boca da Onça em anos anteriores: em abril de 2017 o fluxo da água caiu significativamente, e em setembro de 2022 a cachoeira ficou seca devido ao fenômeno La Niña, retornando só em fevereiro de 2023.
O biólogo da Fundação Neotrópica do Brasil, Guilherme Dalponti, afirma que o aumento temporário da água dura apenas dois ou três dias após a chuva. A escassez de água pode comprometer as rochas e afetar a fauna local, como insetos aquáticos e a libélula ameaçada de extinção Elga newtosantosi.
“Todo curso d’água tem fauna associada, principalmente insetos que dependem do fluxo constante de água. Eles alimentam peixes, anfíbios, aves e outros insetos”, explica Dalponti.
Dados do MapBiomas mostram que a Serra da Bodoquena, que inclui Bonito, Bodoquena e Jardim, teve 17,3 mil hectares desmatados entre 2020 e 2024, o equivalente a cerca de 17 mil campos de futebol. Bonito registrou o maior desmatamento no período:
1️⃣Bonito: 9,3 mil hectares desmatados
2️⃣Bodoquena: 5,5 mil hectares desmatados
3️⃣Jardim: 2,5 mil hectares desmatados
Segundo Dalponti, o desmatamento e a crise climática são os principais fatores que reduzem o fluxo de água. “O desmatamento vem avançando sobre as outras áreas, as áreas que ainda legalmente podem ser desmatadas [na Serra da Bodoquena]. Isso altera o fluxo hídrico, principalmente, da água subterrânea, porque a floresta permite que a água se infiltre no lençol freático, sendo o que vai manter o fluxo da água nos meses de seca”, finaliza.
Crise climática ou interferência humana?
Por ter como característica o crescimento, as tufas calcárias podem ficar cada vez mais pesadas e desmoronar naturalmente. Contudo, o processo pode ser acelerado em virtude de interferências humanas e até como consequência do ressecamento da rocha causado pela falta d’água.
“Na Serra da Bodoquena, o desmatamento e a redução de matas ciliares aceleram o desmoronamento, além da menor chuva no Centro-Oeste e mudanças no regime do rio”, disse o especialista Paulo Boggiani.
A descaracterização chama a atenção de visitantes que conheceram a cachoeira quando o fluxo da água era abundante. A cineasta Marinete Pinheiro ficou impressionada com o desaparecimento do véu da cachoeira.
“É impressionante como que uma cachoeira dessa, que está inserida em uma importante região, não ter nenhuma gota de água. É muito triste, um lugar tão rico. Uma cachoeira com essa dimensão tão grande tem uma necessidade vital de preservação”, relata a cineasta.
Para o fundador do Instituto Entreparques, Dennis Hyde, que visitou os 75 parques nacionais e também esteve na cachoeira Boca da Onça, além dos impactos ao turismo, a situação é preocupante por ter reflexos na biodiversidade.
“Eu acho que é muito triste a gente pensar numa cachoeira secando. É como se fosse alguém morrendo mesmo. E morre não só o turismo como também a biodiversidade que depende dessa água. Espero que isso ainda possa ser revertido”, lamenta Dennis.
Boca da Onça está sem água e seca expõe descaracterização da cara de uma onça formada na rocha.
g1 MS
Cachoeira Boca da Onça. Imagens de 2014 e de novembro de 2025.
Reprodução
Veja vídeos de Mato Grosso do Sul:

Fonte: g1