
Como o caso Gritzbach escancarou o envolvimento de 27 policiais de SP com o PCC e CV; veja quem são
Pouco antes das 16h de 8 de novembro de 2024, o corretor de imóveis Antonio Vinicius Gritzbach pousou no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos (SP). Minutos depois, ele deixou o saguão de voos domésticos ao lado da namorada e de um dos seguranças em direção à saída, caminhou alguns metros e, ao pisar na segunda calçada, foi fuzilado.
Gritzbach, que ficou conhecido como “delator do PCC”, retornava de uma viagem de Maceió (AL) e trazia na mala milhares de reais em joias – que seriam parte do pagamento de uma dívida. Além dele, um motorista de aplicativo que estava à espera de um passageiro foi atingido e morreu. Outras duas pessoas se feriram após os disparos de fuzis.
A ação cinematográfica, à luz do dia, no maior aeroporto da América do Sul, não se restringiu aos crimes de homicídios. Nos últimos 12 meses, a Polícia Civil, a Corregedoria da Polícia Militar, a Polícia Federal e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) avançaram em diferentes frentes. Policiais civis e militares foram presos e os executores do crime identificados, mas os mandantes e o “olheiro” que indicou o desembarque seguem foragidos.
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Vinicius Lopes Gritzbach, que foi executado no Aeroporto Internacional de SP.
Divulgação
Ao longo do último ano, o “caso Gritzbach” também trouxe a público ainda mais detalhes de esquemas estruturados de corrupção policial e extorsão, a sofisticação da lavagem de dinheiro por meio da construção civil e de fintechs para o Primeiro Comando da Capital (PCC), operações bilionárias envolvendo agentes públicos e como essa engrenagem permitiu a expansão nacional e transnacional da maior facção criminosa do Brasil.
Um quadro montado na sala de Justiça do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) usa fotos de investigados, informações e documentos para ajudar os policiais a relacionar ou descartar outros suspeitos de envolvimento no crime. Nessa reportagem especial, a GloboNews e o g1 detalham o que foi descoberto até o momento e o que ainda não foi revelado e/ou concluído pelas investigações.
Quadro da investigação do caso Gritzbach e as novas frentes de investigação, em sala do DHPP
Divulgação
O que já foi descoberto
Envolvidos diretos na execução e motivação
Em março deste ano, a Polícia Civil de São Paulo concluiu a investigação sobre o assassinato. Segundo o inquérito, o crime foi motivado por vingança. Seis pessoas foram indiciadas por homicídio com cinco agravantes: três PMs já estão presos e outros três homens estão foragidos, incluindo os dois apontados como os mandantes.
O relatório final tem 486 páginas e lista provas colhidas em quatro meses de investigação. Os PMs são apontados como executores do crime, ocorrido em novembro de 2024.
Quem são os seis indiciados:
Emílio Carlos Gongorra, o “Cigarreira” – apontado como traficante e mandante do crime (foragido);
Diego Amaral, o “Didi” – apontado como mandante do crime (foragido);
Kauê Amaral – apontado como olheiro do aeroporto (foragido);
Denis Antônio Martins, cabo da PM – apontado como executor (preso);
Ruan Silva Rodrigues, soldado da PM – apontado como executor (preso);
Fernando Genauro, tenente da PM – motorista do carro que levou os atiradores até o aeroporto (preso).
Segundo o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Cigarreira mandou matar o desafeto Gritzbach para vingar Anselmo Santa Fausta, traficante assassinado numa emboscada em 2021.
A morte do amigo, um suposto desfalque financeiro e a delação de Gritzbach, em que ele aponta ligações entre agentes do estado e criminosos do PCC, levaram Cigarreira a arquitetar a execução, de acordo com a investigação.
Vinicius Gritzbach entregou esquemas criminosos do PCC e denunciou policiais por corrupção em depoimentos ao Ministério Público. Ele respondia a processo acusado de lavar dinheiro da facção por meio da compra e venda de imóveis e postos de gasolina.
Em troca da delação, ele pediu para não ser condenado por associação criminosa. Responderia somente pela corrupção.
Caso Gritzbach em números 1
Arte/g1
Julgamentos
Até o momento, o caso chegou a duas esferas para julgamento: na Justiça Criminal e na Justiça Militar.
1. Justiça Militar:
15 PMs (sendo dois oficiais e 13 praças) são réus e respondem por crimes militares de falsidade ideológica e organização criminosa pela escolta ilegal de Antônio Vinicius Gritzbach.
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar não permite que os agentes façam “bicos”. O exercício ou a administração da função de segurança particular é uma transgressão grave. As sanções podem variar de advertência até a exclusão da corporação, dependendo do histórico do autor.
Na época em que o caso foi revelado, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, criticou a conduta dos PMs que trabalhavam como segurança particular do delator do PCC.
Além disso, os três PMs denunciados como executores dos assassinatos são réus na Justiça Militar. Por responderem pelo crime de homicídio, eles também são réus na Justiça Comum.
2. Justiça Comum:
Três PMs (o tenente Fernando Genauro da Silva, o soldado Ruan Silva Rodrigues e o cabo Denis Antonio Martins) e três civis (os acusados de serem os mandantes da execução Diego dos Santos Amaral, o “Didi”, e Emílio Carlos Gangorra Castilho, o “Cigarreira”, além do “olheiro” Kauê do Amaral Coelho) são réus e respondem pelos assassinatos de Gritzbach e de Celso Araujo Sampaio de Novais (um motorista de aplicativo que também estava no aeroporto, foi baleado e morreu no hospital).
Todos também são acusados por tentativa de homicídio de um funcionário do terminal e uma passageira que ficaram feridos no atentado.
O tenente, o soldado e o cabo devem ir a júri popular nos próximos meses. Já houve uma decisão do juiz que aceitou a acusação e enviou o caso para julgamento popular, mas há recursos desta decisão no Tribunal de Justiça.
Quanto a Didi, a colheita de provas já se encerrou, com a apresentação de memoriais escritos pelo Ministério Público que pede também que o caso vá para júri popular, mas a decisão ainda depende da manifestação pela defesa.
Em relação aos corréus Cigarreira e Kauê, o processo está suspenso, aguardando o cumprimento do mandado de prisão ou até a constituição de advogado.
Outra vítima fatal e feridos
Além de Gritzbach, um motorista de aplicativo foi baleado e morreu no hospital. Celso Araujo Sampaio de Novais estava finalizando uma corrida no aeroporto quando foi atingido pelos disparos de fuzil.
Outras duas pessoas ficaram feridas no atentado. Willian Souza Santos trabalha no aeroporto para uma empresa terceirizada e chegava ao terminal para iniciar o expediente. No momento dos disparos, ele estava no parte externa do aeroporto quando ouviu disparos de arma de fogo e foi atingido na região da mão direita.
Samara Lima de Oliveira voltava de Salvador (BA) e se preparava para solicitar um veículo de aplicativo. Próximo à porta de saída, contou à Justiça que ouviu diversos disparos, imaginando, inicialmente, que se tratassem de fogos de artifício. Ela foi ferida de raspão na região do abdome.
O que ainda falta ser esclarecido?
Joias trazidas de Alagoas e ex-sócio devedor
Após concluir as investigações sobre motivação, executores e mandantes do crime, a Polícia Civil abriu uma investigação para apurar se a viagem para Alagoas e a entrega das joias fizeram parte do plano para matá-lo, envolvendo um ex-sócio de Gritzbach.
Durante a viagem, o delator do PCC relatou a seu motorista e à namorada que uma pessoa lhe devia mais de R$ 6 milhões e que recebeu a ligação do devedor, que teria sido visto no aeroporto ao chegar em Maceió.
Gritzbach: por que 3 investigações apuram ligaçao de delator com policiais e facções
Em depoimento, o motorista Danilo Lima Silva afirmou que, por ordem de Gritzbach e acompanhado do segurança e PM Samuel da Luz, encontrou uma pessoa que se apresentou como Alan em um quiosque na orla de Maceió e entregou uma sacola com as joias, que foram guardadas pelo patrão e levadas nas bagagens até São Paulo.
A namorada, Maria Helena Paiva Antunes, também afirmou à Polícia Civil que Gritzbach comentou que as joias pertenciam a Pablo Henrique Borges e que “Picareta” (apelido dado por Gritzbach a Pablo) estava vendendo-as por um preço muito abaixo do valor real.
Pablo é ex-sócio de Gritzbach e estaria envolvido no “desaparecimento” dos valores em criptomoedas de diversos membros do PCC. O dinheiro, ainda segundo a investigação, era cobrado de Gritzbach e teria motivado seu sequestro.
Em trabalho de campo, policiais do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) receberam a informação de que as joias entregues a Gritzbach em Maceió eram de fato de Pablo. Entre as provas estão duas alianças de ouro, com diamantes e rubis, com a inscrição “Marcela & Pablo eternamente”, além de duas pulseiras com as iniciais “P” e “M” na região central – uma menção, segundo a polícia, aos nomes Pablo e Marcella.
A Polícia Civil investiga se a viagem de Gritzbach teria sido parte do plano para matá-lo.
“O fato das joias serem de propriedade de Pablo mostra que possivelmente Antônio Vinicius Gritzbach foi atraído para o estado de Alagoas sobre o pretexto de ‘receber’ valores devidos e esta pode ser uma etapa do plano de execução, que pode ter outros mandantes envolvidos (…) Esse cenário sugere que a atração da vítima pode ter sido uma etapa do plano de execução, o qual pode envolver outros coautores no grupo de mando”, consta no relatório final sobre a morte.
Outro fato que chamou a atenção dos policiais foi uma viagem feita por Pablo na véspera do crime. Na madrugada de 7 de novembro de 2024, ele embarcou para Dubai – atitude semelhante à de Cigarreira, que na mesma madrugada embarcou para o Rio de Janeiro, em voo fretado, que decolou de Jundiaí, no interior paulista.
Pablo já havia sido investigado por fraude bancária. Em 2020, uma reportagem do Fantástico mostrou que ele chefiava uma quadrilha que acessou ilegalmente 20 mil contas bancárias e causou prejuízo de R$ 400 milhões no sistema financeiro. Ele chegou a ser preso por dois dias e assinou um acordo de delação com o MP.
A diretora do DHPP, Ivalda Aleixo, afirma que “a probabilidade é muito alta” do envolvimento de Pablo no plano para matar Gritzbach, mas reforça que são suspeitas que dependem de mais apuração e que envolvem outros investigados. A Polícia Civil de São Paulo tem compartilhado informações com as autoridades de Alagoas para avançar nessa nova frente de investigação.
Operações com criptomoedas
As investigações apontam que Gritzbach seria responsável por lavar dinheiro do PCC com transações imobiliárias e teria convencido vários membros da facção a investir o dinheiro do tráfico em criptomoedas, em parceria com o então sócio Pablo Henrique Borges.
A relação de Gritzbach com o alto escalão do PCC foi rompida após parte desse valor – ainda desconhecido – ter “desaparecido”. Anselmo Santa Fausta (“Cara Preta”) era um dos investidores e cobrou a dívida com Gritzbach. Este, segundo a polícia, seria o motivo pelo qual o delator do PCC encomendou a morte de Cara Preta em 2021. No ataque, outro membro da facção e motorista de Cara Preta – Antônio Corona Neto (“Sem Sangue”) – também foi atingido e morreu.
Apontado como o mandante dos assassinatos, Gritzbach foi jurado de morte pelo PCC. Ele sofreu um atentado no Natal de 2023 e foi sequestrado meses depois, mas teria sido liberado pelos traficantes porque apenas ele detinha as informações sobre o valor convertido em criptoativos e como resgatar o dinheiro.
Em uma outra frente de investigação, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, tenta rastrear essas operações.
A Polícia Civil também localizou em telefones usado por Gritzbach uma carteira de criptomoedas que foi usada na viagem para Alagoas para transferir cerca de R$ 300 mil como pagamento pelas joias.
Última ligação
Entre os celulares periciados, a Polícia Civil mapeou que a última ligação feita por um aparelho encontrado na mala de Gritzbach ocorreu menos de 20 minutos antes da execução. Ela foi feita pelo delator do PCC às 15h48 e durou 126 segundos. Depois dessa ligação, o telefone foi desligado. O crime foi às 16h05.
O número de telefone que recebeu a ligação foi rastreado até a cidade de Marechal Deodoro (AL), onde mora David Moreira da Silva. o ex-agente penitenciário de São Paulo e ex-segurança de Pablo, e que foi indiciado com Gritzbach pelo homicídio de Cara Preta e Sem Sangue.
Segundo a polícia, David era primo de Noé Schaun, executor dos dois, que foi assassinado pelo PCC dias após a morte de “Cara Preta” e “Sem Sangue”.
Após seu indiciamento, David se mudou para Marechal Deodoro e atualmente cumpre prisão domiciliar na cidade. Para a Polícia Civil, há indícios de que ele possa estar envolvido com as joias que Gritzbach buscou em Alagoas.
Outro ponto que chama atenção dos policiais é a última ligação realizada 20 minutos antes do crime, especialmente porque esse telefone permanece desligado até hoje, o que, segundo os investigadores, pode indicar uma tentativa de ocultação de provas ou envolvimento direto nos acontecimentos.
Últimas mensagens
Durante a viagem a Alagoas, Gritzbach usou o mesmo celular para trocar mensagens com outras pessoas. O número do telefone foi registrado com contas falsas de e-mail e usado quando o delator do PCC estava em Maceió e em São Miguel dos Milagres, cidade onde procurou uma casa, com a namorada, para passar o Ano Novo.
A perícia apontou que havia apenas um contato salvo no aparelho, em nome de uma construtora, e o registro de uma ligação para um número registrado no exterior. Todo o conteúdo foi apagado, mas o serviço de inteligência do DHPP descobriu que a maioria das antenas acessadas era na cidade de Marechal Deodoro (AL), que fica a menos de 30 quilômetros da capital alagoana.
Omissão em escolta e policiais civis suspeitos de corrução
Um novo inquérito policial apura se mais pessoas estão envolvidas no assassinato. A pedido do MP, os 15 PMs que faziam a escolta ilegal dele e policiais civis suspeitos de corrupção estão sob investigação.
Os policiais militares da escolta ilegal de Gritzbach já foram investigados pela Corregedoria da Polícia Militar, mas em outro inquérito, que concluiu que eles vendiam aos criminosos informações sigilosas sobre operações policiais.
Todos os 15 PMs que faziam segurança para o empresário estão presos e respondem na Justiça Militar por organização criminosa e falsidade ideológica. Agora a Polícia Civil quer saber se houve omissão ou conivência dos PMs no assassinato.
Já os nove policiais civis citados na delação premiada homologada pela Justiça foram investigados em inquéritos da Polícia Federal sobre corrupção, em parceria com o Ministério Público. Eles também são réus por lavagem de dinheiro. A nova frente de investigação apura se eles podem ter tido relação com o assassinato diante das informações repassadas por Gritzbach antes de ser morto.
Gritzbach tinha mais a revelar?
Antes de ser executado, Gritzbach negociou duas delações premiadas com o MP-SP. A primeira não foi homologada após vazamentos de informações. Meses depois, ele procurou novamente os promotores do Gaeco, acompanhado por uma nova equipe de advogados. Foram inúmeras reuniões sigilosas.
Em centenas de páginas com diversos anexos, Gritzbach relatou em detalhes que foi extorquido por policiais civis, como trabalhava para traficantes para lavar o dinheiro do tráfico de drogas e armas e como as fintechs eram usadas para operar milhões de reais e dar lucro, sem disparar o alerta das autoridades. Em troca, ele buscava a liberação de bens e patrimônio bloqueados em processos que respondia na Justiça.
Depois da morte, o advogado Aristides Zacarelli, que acompanhava o corretor de imóveis nas tratativas com os promotores, afirmou que seu cliente provavelmente teria mais denúncias a fazer.
“É difícil estimar o tempo, pois ele sempre fornecia novas informações. E, a partir dessas informações, poderiam surgir operações e desdobramentos. É difícil estimar. Tinham mais coisas [a serem delatadas] sem dúvidas”, disse Zacarelli em entrevista ao Estúdio i, da GloboNews, quatro dias após a execução.
Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo concluiu inquérito sobre a participação de PMs na escolta ilegal e no assassinato de Vinícus Gritzbach
Fonte: g1
