
Famílias pagavam R$ 2,5 mil por mês para asilos clandestinos em Ribeirão Preto
Depois da prisão de Eva Maria de Lima, proprietária de três casas de repouso em Ribeirão Preto (SP), vieram à tona casos chocantes de como os idosos eram tratados nas instituições.
Ao todo, 36 pacientes foram resgatados das unidades do Meu Doce Lar, mantidas por Eva, no domingo (2). Sete deles estavam em uma casa no bairro Parque Ribeirão, na zona Oeste da cidade, e foram encaminhados a unidades de saúde, onde foram internados.
Os outros estabelecimentos funcionavam nas ruas Lafaiete, no bairro Vila Seixas, e Marechal Deodoro, no Alto da Boa Vista. Todas as unidades estavam interditadas por determinação da Justiça, mas Eva descumpria as liminares repetidamente e mantinha as casas abertas, inclusive, para novos moradores.
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As instituições se tornaram alvos de uma investigação envolvendo o Ministério Público, a Vigilância Sanitária, as secretarias de Assistência Social e Saúde e a Polícia Civil em abril deste ano.
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A suspeita é de que os idosos sofriam maus tratos e viviam em ambientes sem higiene e alimentação adequada. A mensalidade cobrada das famílias era de R$ 2,5 mil. Eva nega todas as acusações.
Veja abaixo o que se sabe sobre o caso:
Como começaram as investigações?
Quem é a proprietária?
As casas de repouso poderiam funcionar?
O que aconteceu com os pacientes?
O que dizem parentes dos idosos que moravam nos locais?
O que dizem ex-funcionários
Quais os próximos passos da investigação?
Casa de repouso Meu Doce Lar, em Ribeirão Preto, SP
Cacá Trovó/EPTV
Como começaram as investigações?
As investigações começaram a partir de vídeos gravados no interior das três casas de repouso que mostravam idosos deitados no chão, sem roupas e reclamando de dor.
As unidades, que ficam nos bairros Alto da Boa Vista, Marincek e Centro de Ribeirão Preto, foram interditadas durante uma fiscalização envolvendo Ministério Público, Vigilância Sanitária, secretarias de Assistência Social e Saúde e Polícia Civil no dia 4 de abril deste ano.
Os locais não apresentavam condições adequadas de higiene, tinham excesso de moradores, falta de mão de obra qualificada, ausência de prontuários dos pacientes, entre outros problemas. Naquele dia, 50 idosos foram resgatados em condições de maus-tratos.
Vídeos mostram idosos deitados no chão e sem roupas em casas de repouso em Ribeirão Preto
Reprodução/EPTV
Quem é a proprietária?
A proprietária das três casas de repouso Meu Doce Lar é Eva Maria de Lima, de 40 anos. Ela foi presa no domingo (2), por descumprir medidas judiciais que impediam que as instituições funcionassem. Na segunda-feira (3), a prisão foi convertida para preventiva após audiência de custódia.
Eva pode responder pelos crimes de expor idoso a perigo à integridade e à saúde, física ou psíquica, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando de alimentos e cuidados indispensáveis, previstos no Estatuto do Idoso.
Ao g1, a defesa dela informou que, enquanto as casas situadas nas ruas Lafaiete e Marechal Deodoro estiveram sob administração de Eva, sempre houve zelo, respeito e dedicação para se dar qualidade de vida aos idosos assistidos, todos de baixa renda e muitos abandonados por suas famílias.
Eva Maria de Lima, dona das casas clandestinas para idosos em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
As casas de repouso poderiam funcionar?
Nenhuma das casas de repouso poderia funcionar, porque todas elas foram interditadas pela Justiça em junho deste ano. Pelo menos duas, no entanto, ainda continuavam abertas e recebendo novos pacientes.
De acordo com Carlos Cezar Barbosa, promotor de Justiça da Pessoa Idosa de Ribeirão Preto, as instituições deveriam ter fechado quando venceu o prazo dado pelo juiz após as primeiras fiscalizações.
Em setembro deste ano, assim que o Ministério Público tomou conhecimento de que os lares para idosos continuavam ativos, Barbosa chegou a chamar a situação de ‘atrevimento’.
“Não é razoável que uma pessoa mantenha três instituições da forma como ela mantém e, mesmo com interdição judicial, continue funcionamento. É muito atrevimento. A proprietária está desafiando uma decisão judicial e está sujeita a consequências, dentre elas, a cobrança de multa diária de R$ 1 mil fixada na decisão que determinou a interdição e, além disso, consequências criminais”.
De acordo com familiares dos idosos, a mensalidade cobrada por Eva era de R$ 2,5 mil, valor que incluía refeições balanceadas e equipes de enfermeiras, fisioterapeutas e nutricionistas. Os serviços, no entanto, não eram ofertados aos idosos.
Idosos viviam sem cuidados necessários em casas de repouso clandestinas em Ribeirão Preto
Fabio Marchiselli/CBN Ribeirão
O que aconteceu com os pacientes?
Ao todo, 36 idosos foram resgatados no último domingo (2). Sete deles estavam em uma casa no bairro Parque Ribeirão, na zona Oeste da cidade, e foram encaminhados a unidades de saúde, onde foram internados.
Os outros 29 foram encaminhados para instituições no Centro e no bairro Alto da Boa Vista sob cuidados de equipes da Prefeitura de Ribeirão Preto, que assumiu os locais emergencialmente.
A Prefeitura de Brodowski (SP), que custeava as despesas de dois idosos por determinação judicial, informou nesta terça-feira que rompeu o contrato com o Meu Doce Lar e transferiu os pacientes de responsabilidade dela para uma outra casa de repouso, também em Ribeirão Preto, mas no bairro Ribeirânia.
Idosos foram resgatados de asilos clandestinos em Ribeirão Preto
Reprodução/EPTV
O que dizem parentes dos idosos que moravam nos locais?
Familiares dos idosos resgatados nas casas de repouso clandestinas destacaram a situação de abandono das vítimas. Sem se identificarem, eles afirmaram que encontraram os idosos sozinhos e sem comida na casa do bairro Parque Ribeirão.
“Ele estava sozinho, abandonado, sem comida. Abandonado mesmo. A gente tem que ver o que vai ser feito. A gente se se sentiu muito chateado. Como uma pessoa faz isso com um ser humano? Vários idosos que estão em situação deplorável”, disse um homem.
Outros familiares destacaram que pagavam R$ 2,5 mil por mês para Eva, que prometia refeições balanceadas e equipes de enfermeiras, fisioterapeutas e nutricionistas, o que não era oferecido.
“A gente sem respaldo, os idosos sem alimentação. Muitos são acamados, a gente precisa até de uma pessoa para poder ajudar, para dar o café da manhã, a gente não sabe da dieta. O que está nas condições da gente, a gente está fazendo”, afirmou uma mulher.
Idosos foram resgatados na noite deste domingo (2) em Ribeirão Preto
Divulgação
O que dizem ex-funcionários?
À EPTV, afiliada da TV Globo, a funcionária de uma das casas de repouso disse que Eva mandava amarrar os pacientes com pedaços de lençol após o café da manhã e que eles chegavam a passar as noites atados às camas.
“A Eva mandava a gente amarrar porque não tinha tanto cuidador para tomar conta, para os pacientes não ficarem zanzando para lá e para cá enquanto a gente estava dando banho em um paciente. ‘Tomou banho, deu café? Amarra’. Muitas vezes também de noite, mandava a gente amarrar porque era um cuidador para aquele tanto de paciente”, contou a mulher, que prefere não se identificar.
Os pacientes pediam para não serem amarrados, mas os funcionários obedeciam às ordens porque tudo na casa era vigiado por câmeras monitoradas por Eva.
“A gente tinha que amarrar porque tinha câmera filmando a gente e se não amarrasse, ela chamava atenção da gente, porque ‘se caísse, era responsabilidade sua'”, afirmou a mulher.
Paciente encontrado em quarto de casa clandestina para idoso em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
Segundo a funcionária, os pacientes relatavam episódios de agressões físicas por parte de Eva.
“Eles falavam pra gente que a Eva gritava, puxava cabelo, dava chacoalhão, beliscava. Eles falavam que era ela. Ninguém tinha problema de cabeça. Muitas vezes estavam ali porque deu um derrame na perna, um probleminha, mas todos eram lúcidos. Todos sabiam o que estava acontecendo ali.”
De acordo com a funcionária, os idosos eram deixados sujos depois que usavam as três fraldas diárias limitadas por Eva.
“Existia um controle de fraldas, eram três no dia: de manhã, à tarde e à noite. Não podia usar mais. Todos os dias os pacientes ficavam sujos. Deixava com cocô, com xixi. Era um cheiro muito forte de urina, muito forte”, afirma.
Também não era possível fazer a higiene adequada nas casas por causa da falta de materiais de limpeza. A funcionária conta que, na maioria das vezes, apenas água era usada.
Banheiro de casa clandestina para idosos em Ribeirão Preto, SP
Reprodução/EPTV
Quais os próximos passos da investigação?
Segundo o promotor Carlos Cezar Barbosa, a Polícia Civil instaurou inquérito para apurar a situação, o que inclui apurar a responsabilidade de familiares dos idosos.
“Na nossa ótica, existem famílias que são vilãs também. Aquelas que não se preocupam com o idoso, que os colocam em qualquer lugar, que têm condição de colocar em um lugar melhor, mas não se importam com isso, querem ficar livre do idoso”.
Ainda segundo Barbosa, por outro lado, o Ministério Público também entende que algumas famílias, de fato, não tinham condições de oferecer uma casa de repouso mais adequada para o idoso.
“Existem famílias absolutamente miseráveis que não têm condição de cuidar do idoso. Ele, às vezes, vive com a filha ou com o filho que trabalham, que não tem como ficar em casa, é acamado. Essas pessoas, a rigor, também são consideradas vítimas”.
O caso segue em investigação também no Ministério Público e Barbosa disse que vai cobrar políticas públicas para atendimento adequado a todos os idosos.
“Esses idosos, certamente, têm o perfil de instituições filantrópicas, que deveriam estar sendo acolhidas pela assistência social. Nós já estamos trabalhando em cima disso para que o município amplie o número de vagas para receber pessoas vulneráveis e que não têm condição de pagar uma instituição particular decente”.
Ainda segundo o promotor, a situação evidencia a ausência do poder público e abre espaço para que ‘instituições particulares mal-intencionadas se estabeleçam’.
“É exatamente o caso dessas instituições clandestinas. Elas se valem da omissão do estado em oferecer assistência para essas pessoas, para oferecerem uma assistência a um preço pequeno, só que totalmente contrariando a dignidade, ofendendo a saúde dessas pessoas”.
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Fonte: g1
