Investidores acusam incorporadora de São Paulo de fraude; polícia estima prejuízo de R$ 200 milhões


Mais de mil pessoas são lesadas em pirâmide financeira que usava apartamentos na planta como garantia
A polícia de São Paulo investiga uma pirâmide financeira que teria arrecadado R$ 200 milhões, tendo como garantia empreendimentos que não foram entregues. O Fantástico teve acesso a vídeos e áudios com as promessas que levaram compradores a investir num sonho furado.
Para mais de mil pessoas que investiram na incorporadora Neoin, os planos de vida na cidade ficaram pela metade. Segundo a Polícia Civil, tudo fazia parte de uma grande fraude.
Gilberto Alves de Melo e a esposa investiram R$ 410 mil após a promessa de rendimento mensal. Já Letícia Ferrari desembolsou R$ 60 mil na compra de um imóvel com a incorporadora.
A Neoin se apresentava como uma incorporadora, empresa responsável por idealizar e gerenciar empreendimentos imobiliários. Para Letícia, a motivação era realizar um sonho antigo.
“O sonho da casa própria. Meu sonho, né? Viver com a minha família, não pagar aluguel, na verdade”, relata.
Maria, outra cliente, conta que continuou fazendo pagamentos mesmo enquanto enfrentava um câncer de mama.
“Quando eu investi aqui em 2019, eu fui diagnosticada com câncer de mama. Tinha que gastar com medicação, com remédio. Até hoje moro no fundo de quintal, porque não tenho condições de pagar um aluguel”, diz.
Ela tentou sair dessa situação acreditando no empresário da Neoin Daniel Bernal, que garante nas redes sociais que a empresa tem o propósito de “construir moradias que façam a diferença na vida das pessoas”.
Promessas de renda alta
Além da venda de apartamentos na planta, a Neoin oferecia um modelo de investimento que prometia uma bolada quando os apartamentos vendidos ficassem prontos.
Até lá, o cliente receberia um rendimento mensal de 2% sobre o valor aplicado, muito acima das médias praticadas no mercado imobiliário.
A Neoin prometia que, se a aplicação financeira não desse certo, os investidores receberiam apartamentos prontos.
“O que nos fez fazer a aplicação financeira foi eles darem um imóvel como garantia”, diz Gilberto.
No início, o lucro era pago. Muitos clientes passaram a investir mais, vender bens e buscar novos financiamentos. Mas os empreendimentos não foram concluídos. Muitos prédios estão apenas com estruturas levantadas, enquanto outros nem tiveram construção iniciada.
Marketing digital pesado
A Neoin investia pesado no marketing digital, usando as redes para exiber eventos e palestras para atrair clientes. No entanto, no início desse ano começaram a surgir as denúncias na internet e os processos judiciais.
“Pagaram até abril desse ano, começaram a falar que o mercado estava ruim, quando a gente sabe que o mercado está bom”, comenta Maurício, que também foi afetado.
“Começaram a falar que tinha sido má gestão”, conta Irislene, outra cliente.
“A gente estima algo em torno de 1200 pessoas que foram vítimas. Eu fui procurado por um grupo e notamos que existiam sérios indícios de crime. A partir daí, nós relatamos para a autoridade policial”, explica o advogado Jorge Calazans.
Daniel Bernal respondia desta maneira para clientes: “Se você ficar nessa de querer me ameaçar, fazer graça, você vai ficar o último da fila, meu querido, igual o Jefferson. O Jefferson vai morrer de fome, meu querido. Nós temos patrimônio para pagar. Só que precisa ter um pouco de paciência”.
O Jefferson, citado no áudio, diz que perdeu cerca de R$ 700 mil reais.
Denúncias
Os ex-funcionários da Neoin também começaram a denunciar a empresa. O empresário Daniel Bernal rebateu em áudios: “Tenta não ser burra. Você assinou, você vendeu, você participou, minha filha, você colocou muito dinheiro no bolso, minha filha. Se acalma!”.
Um ex-vendedor conversou com o Fantástico. Ele pediu para não ser identificado:
“A partir do momento que nós começamos a pedir informações dos empreendimentos, a coisa começou a ficar nebulosa. Eu buscava o empreendimento que estava numa localização de São Paulo e não achava nada ou achava uma obra embargada. E aí começamos a perguntar, ‘olha, eu queria visitar o empreendimento X, eu estou com um investidor aqui'”.
Investigação
A polícia civil de São Paulo aponta que o caso era uma pirâmide financeira e calcula um prejuízo de R$ 200 milhões. O delegado Rodrigo Costa explica o que isso significa:
“A pirâmide financeira, ela funciona no início. Eles começam a trazer novos investidores. Só que isso, uma hora, a pirâmide corrompe, quando começa a parar de entrar novos investidores. Toda pirâmide financeira ela tem algum produto atrelado. Só que esse produto ele é irreal, não vai ser entregue, que foi o que aconteceu aqui com a Neoin”.
Além de Daniel Bernal, também são investigados quatro sócios da Neoin por crime contra a economia popular, estelionato, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A polícia apreendeu os passaportes deles.
Em setembro, a polícia realizou a operação “Prédios de Areia” e fez busca e apreensão nos endereços da empresa.
“Totalmente desativada, os computadores desligados. No mesmo dia, por volta das 19h, os advogados da Neoin protolocaram pedido de recuperação judicial”, diz o delegado.
A defesa de Daniel Bernal alega que houve má gestão na Neoin, e apenas isso. “Eu acho que o Daniel é um mau administrador, mas de forma nenhuma é uma pessoa desonesta”, afirmou o advogado do empresário.
Daniel Bernal não aceitou o pedido de entrevista do Fantástico, mas ofereceu que a gente visitasse dois dos empreendimentos da Neoin.
São os únicos que chegaram à fase de acabamento. Mas nunca foram entregues. Obras paradas há pelo menos dois anos, segundo os clientes e vizinhos.
É possível ver os sinais de abandono: lascas de tinta no chão e marcas de infiltração na parede. Apesar de nunca terem sido entregues, tem pessoas morando no local de forma improvisada.
Na última quarta-feira, a Justiça bloqueou os bens e determinou a quebra de sigilo bancário de Daniel Bernal e dos outros investigados.
Questionado pela reportagem, a defesa afirmou que os clientes receberão o dinheiro de volta, mas que depende do juízo da recuperação judicial. “Existe patrimônio hoje para pagar. Essa dívida certamente será paga”, explica.
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Fonte: g1