
Copom mantém taxa básica de juros em 15%, maior nível em quase 20 anos
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil manteve nesta quarta-feira (5) a taxa básica de juros da economia inalterada em 15% ao ano — o maior patamar em quase 20 anos.
🔎A taxa básica de juros da economia é o principal instrumento do BC para tentar conter as pressões inflacionárias, que tem efeitos, principalmente, sobre a população mais pobre.
A terceira manutenção seguida da taxa Selic foi decidida por unanimidade pelos integrantes do Copom, sendo que sua maioria, inclusive o presidente da instituição, Gabriel Galípolo, foi indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva — crítico contumaz de juros elevados.
➡️Com o Banco Central autônomo, o BC tem presidente e diretores com mandato fixo, ou seja, não podem ser demitidos pelo presidente da República depois de empossados.
Como é de costume no Brasil, as decisões sobre taxas de juros vêm acompanhadas de um componente político, ou seja, são precedidas ou seguidas de elogios ou críticas de autoridades do governo e do mercado financeiro. Nesta semana, não foi diferente.
Diante do consenso do mercado financeiro de que a taxa seria mantida em 15% nesta semana, fruto de indicação do próprio Banco Central, os atores começaram a se manifestar antes mesmo de a decisão ser formalmente tomada pelo Copom.
Campos Neto defende BC
Ex-presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, no plenário do Senado
Pedro França/Agência Senado
Alvo de repreensões contundentes de Lula e da ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, atualmente ministra da Secretaria de Relações Institucionais, o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, saiu em defesa do atual ocupante do cargo, Gabriel Galípolo, indicado pelo atual presidente da República.
Escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Campos Neto permaneceu no comando do BC até o fim do ano passado. Na última semana, durante evento em Londres, ele disse que não faria nenhum “reparo” à conduta da atual diretoria do BC na política de juros.
“Se eu estivesse no Banco Central, eu estaria fazendo exatamente a mesma coisa que o Gabriel [Galípolo] está fazendo, que a equipe está fazendo. Não tenho nenhum reparo a fazer ao trabalho deles. Tem momentos de maior pressão, tem momentos de menos pressão. Mas quando a gente olha hoje, o problema brasileiro não é um problema monetário, é um problema muito mais um problema fiscal [alta de gastos públicos], como já está refletido nos debates do dia a dia”, disse, Campos Neto, na ocasião.
Ele também considerou que há uma “narrativa política” sobre o patamar dos juros no Brasil.
“A queda de juros depende de outros ingredientes. Se fosse uma decisão única do presidente do Banco Central, ou da diretoria colegiada, é obvio que a gente teria juros muito mais baixos. No Banco Central, quando você cai os juros, precisa que a queda de juros se propague pela curva [de juros, que serve de base para o mercado financeiro]. Para que isso aconteça, você precisa de credibilidade. E essa credibilidade vem hoje muito mais do fiscal [desempenho das contas públicas] do que do monetário [decisões do BC]”, acrescentou.
➡️O próprio Banco Central vem alertando, sem seus documentos oficiais, que a percepção do mercado sobre a sustentabilidade das contas públicas têm pressionado a inflação e a taxa de juros.
Haddad pediu corte de juros
Fernando Haddad, ministro da Fazenda
Ricardo Stuckert/PR
Um dia antes de o Copom manter a taxa de juros no atual patamar de 15% ao ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu, em evento da Bloomberg em São Paulo, corte na taxa Selic.
“Por mais pressão que os bancos façam sobre o Banco Central para não baixar juros, eles vão ter que cair. Não tem como sustentar 10% de juro real [descontada a inflação projetada para o futuro] com a inflação batendo a 4,5%. Vai sustentar um juro de 15% [ao ano]? Em nome do que? Eu não sei quando, eu não sou diretor do Banco Central. Se eu fosse diretor, votava pela queda [nesta semana], porque não sustenta,10% de juro real não faz sentido”, disse Haddad, naquele momento.
O ministro, que nega ser candidato a algum cargo político em 2026, apesar de expectativa contrária do Partido dos Trabalhadores, afirmou ter “alergia” à inflação, mas pediu “razoabilidade” ao BC.
“A dose do remédio [juros] para se transformar em veneno é muito pouca diferença entre uma coisa e outra. Podemos entrar bem em 2026, terminar o mandato com indicadores muito superiores. Podemos controlar a dívida pagando menos juros. Não precisamos pagar esse juro todo, que tem impacto sobre a inflação, começa a impactar a capacidade de produção de um país, começa a ter problema. Expectativa tem muito de torcida também”, concluiu Haddad.
Gleisi Hoffmann e Lula
Ministra Gleisi Hoffmann
Reuters via BBC
Crítica dos juros altos, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, manteve a censura nesta semana, mas aliviou o tom dos ataques. Em rede social, ela afirmou que Gleisi Hoffman a decisão do Copom de manter a Selic em 15% é prejudicial aos investimentos produtivos, ao acesso ao crédito, à geração de empregos e ao equilíbrio das contas públicas.
“É prejudicial ao Brasil. Nenhuma economia do mundo pode conviver com um juros reais de 10%. Nada justifica uma decisão tão descasada da realidade, dos indicadores econômicos, das necessidades do país”, disse a ministra Gleisi, nesta semana.
Em outros momentos, ela foi mais contundente.
Em maio de 2023, quando a Selic foi mantida em 13,75% ao ano, Gleisi criticou o negacionismo de Campos Neto o que chamou de destruição de empregos e famílias. “A vacina sempre esteve ao alcance do Copom, mas insistem nos juros genocidas. Até quando ficarão impunes?”.
Em agosto 2024, por exemplo, quando o BC era comandado por Campos Neto e a Selic estava em 10,5% ao ano, ela criticou veículos de imprensa por, em tese, pedir juros mais altos e “naturalizar uma aberração econômica”.
Em novembro do ano passado, afirmou, também, em rede social, que o Copom manteve a “sabotagem à economia do país” ao elevar “ainda mais os juros estratosféricos”, que naquela época subiram para 11,25% ao ano.
Em dezembro de 2024, avaliou que o aumento da Selic para 12,25% ao ano era uma “irresponsabilidade” e que as explicações do BC, por meio de sua ata, representavam um “sequestro da política econômica do governo, que o mercado quer impor, via BC ‘autônomo’.
Em janeiro deste ano, com Galípolo já presidente do BC, ela voltou a criticar os juros altos, mas disse, na ocasião, que “não restava muita alternativa ao novo presidente do BC, Gabriel Galípolo”. “Restam desafios para reposicionar as expectativas do mercado e a orientação da instituição que dirige”, acrescentou.
Em junho de 2025, com a elevação da taxa para 15% ao ano, Gleisi afirmou ser “incompreensível que o Copom aumente ainda mais a taxa básica de juros”. “O Brasil espera que este seja de fato o fim do ciclo dos juros estratosféricos”, disse, sem citar Galípolo.
Lula volta a criticar a política de juros do Banco Central e o presidente da instituição, Roberto Campos Neto
Já o presidente Lula, que teceu críticas ferozes ao ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto, no passado, não comentou a decisão dessa semana do Copom. Relembre as avaliações de Lula sobre a taxa de juros.
Maio de 2023: Lula ironiza Campos Neto após BC manter Selic em 13,75%: ‘Pode falar de tudo, só não pode falar de juros’
Junho de 2023: Lula volta a cobrar redução da taxa de juros, e diz que Campos Neto precisa se explicar ao povo e ao Senado
Junho de 2024: Lula volta a criticar Campos Neto: ‘presidente do Banco Central é um adversário’
‘Ele tem o perfil de uma pessoa competentíssima’, diz Lula sobre Gabriel Galípolo
Ao indicar Galípolo para chefiar o BC, em agosto de 2024, Lula avaliou que ele é uma “pessoa competentíssima, um brasileiro que gosta do Brasil”, e que ele teria autonomia no cargo. ‘”Se um dia o Galípolo chegar para mim e falar, ‘olha, tem que aumentar o juro’, ótimo, aumente”, completou.
Em janeiro deste ano, Lula minimizou o fato de a primeira reunião do Copom presidida por Galípolo ter mantido a alta dos juros, que avançou para 13,25% ao ano naquele momento. “O presidente do Banco Central não pode dar um cavalo de pau num mar revolto de uma hora para outra”, disse.
Já em fevereiro deste ano, com juros ainda em 14,25% ao ano e Galípolo já no comando do BC, Lula afirmou que houve um aumento do dólar porque o BC, na gestão anterior, de Campos Neto, deixou uma “arapuca que a gente não pode desmontar de uma hora para outra”.
Em junho de 2025, com a taxa já em 14,75% ao ano, Lula, afirmou acreditar que o Banco Central iria tomar o que chamou de “atitude correta” e começar a baixar os juros. O BC, chefiado por Galípolo, entretanto, subiu a taxa para 15% ao ano. Segundo Lula, o cenário de juros “será corrigido com o tempo”.
Como as decisões do Copom são tomadas
Edifício-sede do BC, em Brasília, onde as decisões sobre juros são tomadas
Reprodução/TV Globo
Autoridades do Banco Central defendem que a chamada “política monetária”, ou seja, a definição da taxa de juros para conter a inflação, é um processo técnico, e que o aumento dos preços desorganiza a economia e prejudica, principalmente, os mais pobres.
Para definir a taxa básica de juros, a instituição atua com base no sistema de metas. Se as projeções de inflação estão em linha com as metas, é possível baixar os juros. Se estão acima, o Copom tende a manter ou subir a Selic.
Desde o início de 2025, com o início do sistema de meta contínua, o objetivo foi fixado em 3% e será considerado cumprido se a inflação oscilar entre 1,5% e 4,5%.
Com a inflação ficando seis meses seguidos acima da meta em junho, o BC teve de divulgar uma carta pública explicando os motivos.
Ao definir a taxa de juros, o BC olha para o futuro, ou seja, para as projeções de inflação, e não para a variação corrente dos preços, ou seja, dos últimos meses.
Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia.
Neste momento, por exemplo, a instituição já está mirando na meta considerando o segundo trimestre de 2027.
Para 2025, 2026, 2027 e 2028, a projeção do mercado para a inflação oficial está em 4,55% (com estouro da meta), 4,20%, 3,8% e em 3,5%. Ou seja, acima da meta central de 3%, buscada pelo BC.
Fonte: g1
