'Justiceiros de Copacabana': RJ é condenado a pagar R$ 500 mil após PM expor menores e incitar linchamento

O Estado do Rio de Janeiro foi condenado pela Justiça a pagar R$ 500 mil em danos morais coletivos e indenizações individuais a adolescentes vítimas de exposição ilegal e linchamentos na Zona Sul do Rio, em dezembro de 2023.
A sentença da juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância e da Juventude Protetiva, afirma que agentes dos batalhões de Copacabana (19º BPM) e Ipanema (23º BPM) divulgaram dados sigilosos e fotos de menores de idade, incitando a atuação de grupos de “justiceiros” que espancaram jovens sob suspeita de envolvimento em furtos e arrastões na região.
‘Justiceiros’ criam grupos para ‘caçar’ ladrões em Copacabana
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O episódio ficou conhecido como o caso dos “justiceiros de Copacabana”. Na época, um grupo de homens se organizou por redes sociais para fazer justiça com as próprias mãos, agredindo quem entendiam que era ladrão, durante o verão de 2023.
Munidos de socos-ingleses, pedaços de pau e capacetes, eles filmavam as agressões e as divulgavam na internet. As ações começaram após o aumento de furtos e arrastões nas praias de Copacabana e Ipanema e acabaram transformando a região em palco de uma escalada de violência.
‘Justiceiro’ de Copacabana mostra soco-inglês
Reprodução
Incitação à violência
A sentença aponta que o vazamento de fichas de identificação, fotos e dados pessoais partiu de agentes da Polícia Militar, o que criou um “ambiente de ódio e perseguição”.
As imagens — algumas com a marca d’água do 19º BPM — foram compartilhadas em grupos de moradores e em perfis de redes sociais. Segundo o Ministério Público, que moveu a ação, o objetivo dos vazamentos era “incitar o linchamento por grupos paramilitares”.
Ao analisar as provas, a juíza afirmou que a conduta do Estado violou direitos fundamentais de crianças e adolescentes previstos na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
“A exposição indevida, ainda que por vazamento, violou a imagem, a honra e a dignidade dos jovens, e os expôs à ira ilícita de grupos autointitulados ‘justiceiros’”, escreveu.
Medidas determinadas pela Justiça
Além das indenizações, a Justiça confirmou a proibição de o Estado divulgar nomes, imagens ou documentos de adolescentes a quem se atribua ato infracional, e também de divulgar vídeos de “recolhimento compulsório” da Operação Verão.
Vídeo mostra jovem sendo espancado por ‘justiceiros’ em Copacabana
O governo foi intimado a apresentar, em 20 dias, um programa de capacitação para agentes policiais sobre direitos humanos e abordagem de crianças e adolescentes, com recorte racial.
O descumprimento das medidas pode gerar multa diária de R$ 5 mil por jovem afetado. O valor de R$ 500 mil em danos coletivos deverá ser destinado ao fundo previsto no artigo 214 do ECA.
Operação Verão e decisões judiciais
A condenação ocorre no contexto da Operação Verão 2023/2024, lançada pelo governo estadual em setembro de 2023 para reforçar o patrulhamento nas praias da Zona Sul.
A ação foi alvo de denúncias de abordagens abusivas e apreensão ilegal de adolescentes pobres e negros a caminho das praias.
Jovens que estavam no Arpoador foram conduzidos para delegacia no último domingo (10)
Reprodução
Em dezembro de 2023, a Justiça proibiu o recolhimento de menores sem flagrante, destacando que a operação violava “direitos individuais e coletivos de uma camada específica da sociedade”.
A decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça, mas restabelecida em fevereiro de 2024 pelo ministro Cristiano Zanin, do STF, que determinou a criação de um protocolo de abordagem a menores na orla.
‘Justiceiros’ em Copacabana
Os grupos que se autodenominavam “justiceiros” atuavam principalmente em Copacabana, Leme e Arpoador, dizendo querer “limpar” o bairro de ladrões. Organizados por aplicativos de mensagens, eles marcavam encontros e circulavam armados com bastões e barras de ferro.
Novas imagens mostram ‘bonde’ roubando meninas na saída da praia do Arpoador
Mensagens obtidas pela polícia mostraram planos de “caçadas” a adolescentes, com ordens para usar roupas pretas e máscaras. As agressões — muitas filmadas e publicadas nas redes sociais — deixaram jovens feridos e expuseram o clima de tensão na região.
A própria sentença ressalta que o Estado criou um ambiente “de segregação e medo” que estimulou a formação dos grupos de extermínio.
“As ações estatais acabaram por reforçar uma estrutura vergonhosa de exclusão e dividir o Rio de Janeiro entre quem pode e quem não pode estar nas praias”, concluiu a juíza.
O que diz a PM
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que a Corporação ainda não foi comunicada oficialmente sobre a referida ação pública. Assim que a Corporação tomar conhecimento da referida denúncia de maneira oficial, um procedimento apuratório será instaurado para apurar os fatos envolvidos na denúncia.
“O comando da corporação reitera que não compactua com possíveis desvios de conduta ou cometimento de crimes praticados por seus entes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos.”

Fonte: g1