Mapa do caminho: por que o conceito pode se tornar uma das medidas do sucesso da COP30?


‘Não podemos abandonar objetivos do Tratado de Paris’, diz Lula
Um conceito citado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso nesta quinta-feira (6) pode se tornar uma das medidas do sucesso ou do fracasso da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30 de Belém.
“Estou convencido de que, apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”, declarou Lula em um trecho do seu discurso de quase 14 minutos na Cúpula do Líderes.
🗺️ 🛣️ ENTENDA O TERMO: “Mapa do caminho” ou roadmap (em inglês) é o termo usado em negociações internacionais para designar planos de ação que estabelecem etapas, prazos e metas concretas rumo a um objetivo comum. Na prática, trata-se de um roteiro político e técnico que define “quem faz o quê, até quando e com quais recursos”.
O discurso de Lula foi feito no primeiro dia da Cúpula dos Líderes. O encontro marca a abertura política da COP30, que terá suas negociações formais em andamento a partir de segunda-feira (10). Se a cúpula dá “direção política” às negociações na COP, a expectativa agora é de que a fala de Lula sirva como aval para que a diplomacia brasileira busque construir consenso sobre os “mapas do caminho” listados pelo presidente.
Além de Lula, outros líderes como o secretário-geral da ONU, António Guterres, citaram a necessidade de definir um plano com ações concretas que ajudem a evitar o agravamento ou mesmo a lidar com as consequências do aquecimento global.
Logo após o discurso de Lula, especialistas e pesquisadores ressaltaram que a definição de planos concretos, sobretudo para transição energética e fim do uso dos combustíveis fósseis, é a principal urgência da COP30 (leia mais abaixo).

Decisão de se afastar dos combustíveis fósseis
Desde a COP 28 em Dubai, no ano de 2023, os países concordaram que é preciso fazer uma “transição para longe dos combustíveis fósseis”. No termo em inglês, o texto final cita “transitioning away from fossil fuels”, sem detalhar como e quando isso será feito. A COP 29, no Azerbaijão, não apresentou avanços concretos nesta direção.
E é justamente neste ponto que as expectativas sobem em relação à COP30, já que os anos recentes foram fartos em dados apontando o aumento dos eventos extremos. Os números também mostram que são remotas as chances de alcançar a meta de conter o aquecimento global a 1,5°C em relação à era pré-industrial. E o consenso científico aponta que é preciso frear a emissão de gases de efeito estufa para limitar os efeitos da crise climática.
Conceito citado por outras autoridades
No discurso do presidente do Chile, Gabriel Boric, o conceito de “mapa do caminho” foi abordado de forma indireta, quando o líder citou que o debate climático atual não deve tratar sobre compromissos ou metas.
“Estamos aqui hoje (…) para ser claros sobre como vamos cumprir que até hoje foram estabelecidas, porque as consequências de não o fazer são realmente catastróficas”, afirmou Boric.
O discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, foi duro contra o uso dos combustíveis fósseis. “Os combustíveis fósseis continuam recebendo enormes subsídios – dinheiro público – e apoio político. Gastam bilhões em lobby, enganam o público e bloqueiam o progresso”, criticou.
Ele defende uma mudança de paradigma e cita o conceito de caminho diretamente ao tratar do financiamento.
“Devemos demonstrar um caminho claro e confiável para alcançar US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático para países em desenvolvimento até 2035, conforme acordado na COP29, em Baku”, afirmou Guterres.
Especialistas apontam expectativa
Para o Observatório do Clima, o discurso de Lula oferece impulso para que o tema seja pautado nas negociações, um apoio fundamental sobretudo depois de o tema dos combustíveis fósseis virar tabu nas negociações depois da conferência de Dubai, em 2023. O observatório aponta que Arábia Saudita e Índia “têm se oposto veementemente a qualquer menção a eles em qualquer negociação de clima, e conseguiram eliminá-la da declaração de líderes do G20 e da Cúpula do Futuro, no ano passado”.
“Em seu discurso, o presidente Lula afirmou que precisamos de um mapa do caminho para acabar com o desmatamento e o uso dos combustíveis fósseis. É exatamente do que precisamos e é exatamente o que esperamos que a presidência da conferência coloque como proposta sobre a mesa. O sucesso da COP30 se dará ao transformar as palavras do presidente brasileiro em resolução final”, afirma Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
A diretora executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali, diz que o desafio agora é transformar palavras em ação.
“Foi um discurso forte, mas para essa COP entrar para história, é preciso concretizar a promessa de sairmos de Belém com um mapa do caminho para reverter o desmatamento até 2030 e superar a dependência dos fósseis. Precisamos de planos concretos, mecanismos de implementação e fontes claras de financiamento.”
Em entrevista à GloboNews, Paulo Artaxo, que é professor da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, também apontou que a indicação de um “roadmap” será a principal medida de sucesso ou fracasso da COP30.
Paulo Artaxo explica qual o principal desafio da COP30
“Sem acabar com a exploração e o uso dos combustíveis fósseis, qualquer decisão que se tome na COP vai se tornar totalmente inócua, porque as mudanças climáticas vão continuar a se agravar, nós vamos ter degradação florestal na Amazônia, que vai começar a perder carbono para a atmosfera”, afirmou Artaxo.
“O ponto principal é fazer o roadmap para que a gente deixe de explorar combustíveis fósseis. Esse para mim é o ponto principal da COP.”
Marta Salomon, especialista sênior do Instituto Talanoa, afirmou que o discurso de Lula na abertura da cúpula aumenta a expectativa de que a COP 30 desenhe um “mapa do caminho” para longe dos combustíveis fosseis e para mobilizar recursos necessários para evitar perdas humanas e materiais que ele mesmo classificou de “drásticas”.
“Seria a forma de completar o trabalho de duas cúpulas anteriores, em Dubai e Baku”, afirma Marta Salomon.
Como os mapas do caminho pode aparecer na COP?
A inclusão do tema depende do consenso entre os países participantes. Primeiro é preciso que, nos primeiros dias, os negociadores concordem com a inclusão do tema na pauta das mesas de debate. Depois disso, que os diplomatas consigam alinhar pontos em comum para definir uma proposta que cuja redação seja aceita por todos.
Na quarta-feira, as presidências da COP29 (Azerbaijão) e da COP30 (Brasil) apresentaram um plano ambicioso para financiamento. O Roteiro de Baku a Belém aponta formas para mobilizar ao menos US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para financiar ações contra a crise climática, com foco nos países em desenvolvimento. O documento é uma proposta e não há garantias de que ele seja discutido pelos países participantes da conferência.
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Fonte: g1