Projeto Antifacção: entenda as críticas do governo ao texto do relator na Câmara


Relator do projeto da antifacção faz mudanças no texto
Integrantes do governo federal avaliaram como negativas as mudanças feitas pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) no projeto de lei Antifacção que a Câmara dos Deputados deve analisar nesta terça-feira (11).
A principal crítica é que o texto de Derrite restringe a atuação da Polícia Federal nas investigações contra o crime organizado (veja detalhes abaixo), mas também há discordâncias sobre:
a equiparação das facções a grupos terroristas;
a previsão de aplicar a mesma faixa de pena — de 20 a 40 anos de prisão — a todos os acusados de ligação com facções e milícias, sem diferenciar o papel e o grau de envolvimento de cada um;
as novas regras para progressão de regime prisional, que exigem o cumprimento de até 85% da pena na cadeia;
a destinação dos bens e recursos dos criminosos para fundos estaduais.
O secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite (PL), durante evento na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, em 23/05/2025.
Pablo Jacob/GESP
Versão de Derrite x versão do governo: compare como era e como ficou PL Antifacção
De onde surgiu o projeto?
O projeto de lei Antifacção foi feito inicialmente por um grupo de trabalho, composto por especialistas, policiais e membros do Ministério Público, a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O texto foi enxugado pelo ministro Ricardo Lewandowski e enviado ao Congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva há duas semanas.
A tramitação ganhou velocidade depois da operação da polícia do Rio de Janeiro nas comunidades da Penha e do Alemão.
Na semana passada, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), indicou Guilherme Derrite para ser o relator. Para assumir essa função, ele se licenciou do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo.
Em menos de um dia, Derrite apresentou um texto substitutivo na sexta-feira (7), que, assim como a proposta do governo, eleva as penas para as facções criminosas e milícias. No entanto, ele optou por realizar essas mudanças na Lei Antiterrorismo (nº 13.260/2016), e não na Lei das Organizações Criminosas (nº 122.850/2013), como previa o Ministério da Justiça.
Em seu relatório, Derrite escreveu que “o projeto original [do governo] apresenta algumas soluções que, apesar de bem intencionadas, não atendem ao rigor que a sociedade espera”.
Entenda abaixo as principais críticas feitas por integrantes e técnicos do governo:
Restrição à atuação da PF
O texto apresentado por Derrite na sexta-feira estabelecia que as investigações contra as facções e milícias passarão a ser de responsabilidade da Polícia Civil dos estados — diferentemente dos crimes de terrorismo propriamente ditos, que são investigados pela Polícia Federal.
O deputado previu que a PF só poderia entrar nas investigações de organizações criminosas quando os fatos tivessem “repercussão interestadual ou transnacional” e “mediante provocação do Governador do Estado”.
Integrantes do governo e a própria PF fizeram críticas públicas a essa ideia, considerada inconstitucional por limitar as atribuições da corporação — que hoje pode investigar a criminalidade interestadual sem que haja um pedido dos governadores.
Na noite desta segunda (10), Derrite conversou por telefone com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.
O deputado apresentou uma nova formulação do texto prevendo que a PF poderá investigar facções e milícias, “em caráter cooperativo com a polícia estadual”, mediante solicitação da polícia ou do Ministério Público do estado, ou por iniciativa própria — desde que, nesse caso, comunique aos estados.
A nova formulação também foi criticada. Em nota publicada após o telefonema, o diretor-geral da PF afirmou que “não há e não haverá acordo que implique em supressão das atribuições e autonomia da Polícia Federal”.
“Encaramos com preocupação qualquer manobra para modificar o papel da instituição no combate ao crime organizado”, escreveu Andrei Rodrigues.
PF diz que acompanha com preocupação alterações do relator no Projeto Antifacção
Equiparação ao terrorismo
Para analistas do governo, a ideia de equiparar facções criminosas — como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) — a grupos terroristas pode trazer danos econômicos e diplomáticos para o Brasil, sem a garantia de que essa medida seja realmente eficiente contra o crime organizado.
No entendimento de especialistas, essa equiparação abre brecha para intervenções externas. Alguns países, como os Estados Unidos, têm leis que preveem ações contra grupos terroristas estrangeiros.
Essas ações externas podem vir a incluir retaliações contra instituições financeiras do Brasil e a restrições à emissão de vistos para cidadãos brasileiros, por exemplo.
Na visão de Derrite, por outro lado, as condutas das organizações criminosas devem ser incluídas na Lei Antiterrorismo “em razão de sua capacidade de produzir os mesmos efeitos deletérios [que o terrorismo produz] sobre a paz social e a autoridade do Estado”.
Mesma pena para todos
O texto de Derrite prevê que a pena do crime de terrorismo, de 20 a 40 anos de prisão — uma das mais altas da legislação brasileira —, seja aplicada a diferentes condutas praticadas por membros de organização criminosa.
São exemplos:
➡️”utilizar violência ou grave ameaça para intimidar, coagir ou constranger a população ou agentes públicos, com o propósito de impor ou exercer o controle, domínio ou influência, total ou parcial, sobre áreas geográficas, comunidades ou territórios”;
➡️”empregar ou ameaçar empregar armas de fogo, explosivos, […] expondo a perigo a paz, a incolumidade pública, pessoas ou o patrimônio”;
➡️”impedir, dificultar, obstruir ou criar embaraços à atuação das forças de segurança pública, à perseguição policial ou às operações de manutenção da ordem, inclusive mediante a colocação de barricadas, bloqueios, obstáculos físicos, incêndios, destruição de vias […]”.
Membros do governo criticam a fixação da mesma faixa de pena (20 a 40 anos de prisão) para todas as condutas ligadas a organizações criminosas, sem diferenciar a função ou o grau de envolvimento de cada pessoa.
Isso significa que a pena poderá ser a mesma para quem monta uma barricada na favela e para o chefe da facção.
Técnicos do governo veem “desproporcionalidade” nessa parte do projeto de Derrite, por tratar situações diferentes de maneira igual, e desrespeito ao princípio da culpabilidade, que estabelece que cada pessoa deve ser punida na medida de sua contribuição para o crime.
Progressão de regime prisional
O texto substitutivo feito por Derrite prevê novas regras para a progressão de regime — do fechado para o semiaberto —, com a intenção de aumentar o tempo de prisão dos criminosos.
Ele estabelece que uma pessoa condenada por integrar uma organização criminosa — crime que passa a ser hediondo — tenha de cumprir 70% da pena em regime fechado, chegando a 85% em caso de reincidência e de crime que resulte em morte.
No Ministério da Justiça, a avaliação é que essa medida pode descumprir uma decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucional a vedação geral à progressão de regime para crimes hediondos.
Para o STF, a execução penal deve considerar a ressocialização do preso e a gravidade concreta de cada caso.
Fundos estaduais
Outro ponto criticado pelo governo é a destinação de bens e valores tirados de criminosos para fundos estaduais de segurança pública.
De acordo com a análise do governo, se as polícias e as secretarias estaduais de segurança souberem que ficarão com os recursos apreendidos em uma determinada operação, haverá risco de um direcionamento das atividades policiais motivado por esse interesse no dinheiro — fenômeno já estudado em outros países, como os Estados Unidos.
Derrite afirmou que o texto ainda pode sofrer alterações e que tem mantido diálogo com todos os profissionais ligados à segurança pública com o objetivo de aprimorar o projeto.

Fonte: g1