
Jovem presa injustamente por 6 anos morre de câncer dois meses após ser absolvida por júri
A trajetória de Damaris Vitória Kremer da Rosa, 26 anos, jovem que passou seis anos presa preventivamente e morreu pouco após ser absolvida, é marcada por uma série de acontecimentos que envolvem acusações criminais, problemas de saúde e decisões judiciais que se estenderam por anos.
A jovem foi presa preventivamente em agosto de 2019, acusada de envolvimento em um homicídio em Salto do Jacuí (RS). Segundo a denúncia, ela teria atraído a vítima ao local do crime, supostamente em conluio com o então namorado. Damaris só foi julgada seis anos depois, em agosto de 2025, quando foi inocentada por falta de provas.
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Durante o período em que esteve presa, Damaris passou por, ao menos, quatro presídios e começou a apresentar sintomas graves de saúde, como sangramentos e dores intensas. A mãe, Claudete Kremer Sott, relata que a filha ficou um ano com dores sem atendimento médico adequado.
Em março de 2025, foi levada a um posto de saúde, onde o médico determinou a transferência imediata para o hospital. O diagnóstico foi de câncer de colo do útero em estágio avançado, e a prisão foi convertida em domiciliar. Ela morreu em outubro de 2025, 74 dias após ser absolvida.
O g1 separou uma cronologia com os principais acontecimentos que marcaram os últimos anos da jovem. Confira:
Infográfico – Jovem presa injustamente por 6 anos morre de câncer dois meses após ser absolvida
Arte/g1
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Prisão e pedidos da defesa negados: a cronologia do caso
Conforme os registros da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, aos quais o g1 teve acesso, Damaris foi presa preventivamente em agosto de 2019, por suposto envolvimento no homicídio de Daniel Gomes Soveral, ocorrido em novembro de 2018, em Salto do Jacuí, no Noroeste do RS.
A denúncia foi oferecida à Justiça em julho de 2019. Na ocasião, a Promotoria alegou que Damaris “ajustou o assassinato juntamente com os denunciados” e manteve “conduta dissimulada, um relacionamento com a vítima, de modo a fazê-la ir até Salto do Jacuí, local estipulado para a execução”.
Conforme o MP, outras duas pessoas tiveram envolvimento na morte: Henrique Kauê Gollmann (namorado de Damaris na época) e Wellington Pereira Viana. Henrique teria efetuado o disparo que matou Daniel, e Wellington “concorreu para a prática do fato ao ajustar e auxiliar na organização do homicídio”.
Henrique foi preso no Presídio Estadual de Venâncio Aires. O júri o condenou pela morte. Wellington chegou a ser levado para o Presídio Estadual de Santa Cruz do Sul. Ele foi absolvido das acusações.
A defesa de Damaris sustenta que ela apenas contou a Henrique que teria sido estuprada por Daniel. Em retaliação, ele teria assassinado o homem e ateado fogo no corpo.
Ao longo do processo, foram protocolados pedidos de revogação da prisão de Damaris, que receberam pareceres negativos do Ministério Público e foram indeferidos pela Justiça. Ela relatava problemas de saúde, como sangramento vaginal e dor na região do ventre. (Veja imagem abaixo)
“Apesar da suposta fragilidade na saúde da ré, tal alegação é pautada em mera suposição de doença, tendo em vista que os documentos médicos juntados nos autos apenas apontam a indicação de ingestão de medicamentos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos”, argumentou o MP.
“Não há demonstração suficiente de a ré estar extremamente debilitada por motivo de doença grave, na medida em que os documentos médicos são meros receituários médicos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos”, pontuou a Justiça.
Prontuário médico de Damaris Vitória Kremer da Rosa
Reprodução
Tornozeleira e júri
Damaris passou por penitenciárias em Sobradinho, Lajeado, Santa Maria e Rio Pardo. Apenas em março de 2025, a prisão foi convertida em domiciliar. A decisão se deu em razão do agravamento dos problemas de saúde da mulher.
No mesmo mês, foi determinada a instalação de monitoramento eletrônico, conforme ofício expedido. Em abril, a Justiça autorizou, a pedido da defesa, que Damaris permanecesse na casa da mãe, em Balneário Arroio do Silva (SC), com tornozeleira.
“Fiz petições manifestando que ela estava tratando câncer e precisava transitar por hospitais. Ainda, havia a oscilação do peso. Pedi remoção da tornozeleira, mas nenhum desses pedidos foi atendido. Ela foi submetida a raio-x, exames, tudo com tornozeleira”, relata a advogada Rebeca Canabarro.
O caso de Damaris foi a julgamento apenas em agosto. O Conselho de Sentença absolveu a jovem de todas as acusações a ela imputadas (ter matado a vítima e ateado fogo no veículo com o corpo dentro) por negativa de autoria baseada na falta de provas. Ela morreu 74 dias depois.
O que é prisão preventiva?
A prisão preventiva está prevista no Código de Processo Penal (CCP), quando o suspeito apresenta:
risco à ordem pública;
risco à ordem econômica;
risco ao andamento das investigações;
risco de fuga.
Também deve ser aplicada quando a liberdade do investigado gerar uma situação de perigo para a sociedade.
Damaris Vitória Kremer da Rosa morreu aos 26 anos
Arquivo Pessoal
O que diz o Tribunal de Justiça do RS
“O Tribunal de Justiça não se manifesta em questões jurisdicionais.
Com relação ao caso, foram avaliados três pedidos de soltura.
O primeiro em 2023, que foi negado pelo magistrado da Comarca, pelo TJRS e STJ em sede de recurso.
Quanto ao segundo pedido, em novembro de 2024, em que a defesa da ré alegava motivo de saúde, a decisão aponta que os documentos apresentados eram receituários médicos, sem apontar qualquer patologia existente e sem trazer exames e diagnósticos.
Em 18 de março de 2025, a prisão preventiva da ré foi convertida em prisão domiciliar, sendo expedido alvará de soltura. A decisão foi motivada pelo estado de saúde da ré, diagnosticada com neoplasia maligna do colo do útero, necessitando de tratamento oncológico regular.
Ainda em março de 2025, foi autorizada a instalação de monitoramento eletrônico, conforme ofício expedido ao Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico.
Em abril de 2025, a ré iniciou tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia no Hospital Ana Nery em Santa Cruz do Sul, sendo posteriormente transferida para o Hospital Regional em Rio Pardo.
Em 09/04/2025, foi concedido parcialmente o pedido da defesa, autorizando:
a) a transferência e cumprimento de prisão domiciliar com monitoramento eletrônico por tornozeleira;
b) a permanência na residência da mãe da ré, em Balneário Arroio do Silva-SC; e
c) o deslocamento da ré até o Hospital São José em Criciúma para consultas e tratamento oncológico.
Em agosto de 2025, foi realizado o julgamento da ré pelo tribunal do júri, quando ocorreu sua absolvição pelos jurados.”
O que diz o Ministério Público do RS
“Na primeira oportunidade em que foi informada nos autos a doença da ré, não houve comprovação desta informação. Mas, a partir do momento em que a defesa fez o segundo pedido de liberdade, alegando e comprovando a doença, a ré foi, então, solta.”
VÍDEOS: Tudo sobre o RS
Fonte: g1
