
Brasil vai aportar U$ 1 bilhão em fundo para preservar florestas tropicais
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) é uma das principais novidades e um das apostas do governo brasileiro para incentivar a conservação ambiental. O objetivo é criar um sistema internacional de pagamento para países que mantêm suas florestas em pé, valorizando o papel dos países tropicais na regulação do clima e na absorção de carbono.
Embora o fundo não esteja na pauta oficial da Conferência do Clima de Belém, a proposta deve ser oficialmente lançada durante a Cúpula de Líderes, evento preparatório da COP30 que ocorre a partir desta quinta-feira (6).
ENTENDA: 🌱 O TFFF aplica a lógica de mercado ao financiamento climático. O fundo pretende captar cerca de R$ 125 bilhões em investimentos privados. Esse capital será reinvestido em projetos com maior taxa de retorno, e a diferença entre o que é pago aos investidores e o que é obtido nessas aplicações (o chamado spread) será destinada a remunerar financeiramente países que preservam suas florestas tropicais, de forma proporcional à área conservada.
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Na prática, o plano, anunciado inicialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, propõe que países com grandes áreas de floresta tropical, como Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo, sejam remunerados pela conservação dos biomas.
A ideia é que o mecanismo funcione como uma espécie de “renda florestal global”, atraindo investimentos públicos e privados para compensar o valor econômico de manter a floresta viva e não derrubá-la.
A seguir, entenda em cinco pontos o que é o TFFF, como ele deve funcionar e por que o tema gera debate entre especialistas e organizações ambientais.
Amazônia legal no Amazonas.
Bruno Kelly/Reuters
1. O que é o TFFF e qual é a proposta?
O ponto de partida do TFFF é reconhecer que, na prática, a destruição das florestas tropicais ainda gera mais retorno econômico do que sua conservação.
A extração de madeira, a abertura de áreas para agricultura e a expansão urbana continuam sendo atividades lucrativas no curto prazo.
💰Já manter as florestas intactas, embora essencial para o clima e a biodiversidade, AINDA não oferece receita direta para os países responsáveis por essas áreas.
Por isso, o fundo foi criado para alterar essa lógica. O projeto propõe um sistema de pagamentos por desempenho, em que países tropicais seriam recompensados financeiramente pela manutenção de suas florestas.
O cálculo se baseia em dados de monitoramento por satélite e em padrões técnicos acordados internacionalmente, que permitem medir o nível de conservação de cada território
a COP 30 e nosso futuro
A cada hectare de floresta preservado, o país receberia um valor anual, que diminuiria se houvesse aumento de desmatamento ou degradação.
O objetivo é criar uma estrutura previsível de incentivos que ligue diretamente a conservação a ganhos financeiros. Dessa forma, a floresta passa a ter valor econômico contínuo, e a decisão de protegê-la se torna mais compatível com as metas de desenvolvimento.
Dessa forma, o TFFF se diferencia de mecanismos anteriores, como o REDD+ ou os mercados de carbono, pois propõe um modelo de pagamento direto pela floresta em pé, e não apenas pelo carbono que deixa de ser emitido.
🌳ENTENDA: O REDD+ é um mecanismo criado pela ONU que recompensa países pela redução de emissões de carbono causadas pelo desmatamento e pela degradação florestal.
Já o TFFF proposto pelo Brasil vai além da lógica do carbono, pagando diretamente pela floresta em pé e pela conservação de longo prazo das florestas tropicais.
Enquanto o REDD+ se baseia em resultados de emissões evitadas (gerando créditos de carbono), o TFFF pretende garantir financiamento contínuo e previsível, estimado em cerca de US$ 4 por hectare preservado por ano, captando recursos no mercado financeiro global.
🌍 ENTENDA: O crédito de carbono é um título que representa uma tonelada de gás carbônico que deixou de ser emitida ou foi capturada da atmosfera. Empresas que ultrapassam seus limites de poluição podem comprar créditos de quem polui menos ou faz projetos sustentáveis, como reflorestamento ou energia limpa.
No Brasil, o Fundo Amazônia é o principal exemplo de iniciativa alinhada ao modelo do REDD+: ele remunera projetos e políticas públicas que comprovam reduções no desmatamento.
O TFFF, por sua vez, busca complementar esse tipo de mecanismo, oferecendo uma forma permanente de valorização da floresta, com parte dos recursos destinados obrigatoriamente a povos indígenas e comunidades locais.
“A COP30 deve ser lembrada como a COP da implementação, aquela que transformou compromissos em ação, consolidou novas formas de cooperação e promoveu mecanismos de financiamento inovadores, como o Fundo Floresta Tropical para Sempre”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.
“Enfrentar a crise climática não é tarefa apenas dos governos, mas um esforço coletivo que depende da mobilização de todos os setores para transformar compromissos em resultados tangíveis”.
2. Como funcionará o pagamento?
O plano prevê levantar até US$ 125 bilhões, o que faria do TFFF o maior fundo de conservação do tipo já criado.
A ideia é juntar dinheiro de várias fontes, governos, empresas e fundações, para garantir que a proteção das florestas tropicais tenha financiamento estável e de longo prazo.
Desse total, US$ 25 bilhões viriam de países parceiros, como Brasil, Noruega, Alemanha, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e China, além de grandes fundações internacionais.
Esse valor serviria como uma espécie de garantia para atrair mais US$ 100 bilhões em investimentos privados, reduzindo o risco para quem aplica o dinheiro.
🚫🛢️Os recursos seriam aplicados em títulos e investimentos de baixo risco, fora de setores poluentes como petróleo e carvão.
Há ainda o compromisso de que pelo menos 20% dos pagamentos recebidos por cada país participante sejam destinados diretamente a povos indígenas e comunidades locais.
O rendimento anual, estimado entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, bancaria os pagamentos aos países que mantiverem suas florestas de pé.
Como funcionam as discussões da COP, a conferência do clima da ONU
Para receber o dinheiro, cada país precisará porém mostrar, com base em monitoramento por satélite, que o desmatamento ficou abaixo de 0,5% ao ano.
O Banco Mundial será responsável por administrar os recursos, enquanto o TFFF deve cuidar do acompanhamento e da distribuição dos pagamentos.
Logo da COP30 na Estação das Docas, em Belém
THOMAS MORFIN/AFP
3. Quem participa e quando será lançado?
O TFFF deve envolver até 74 países em desenvolvimento com florestas tropicais e subtropicais úmidas, que juntos somam mais de 1 bilhão de hectares de vegetação nativa.
A Indonésia, por exemplo, já confirmou que vai participar, e outros países, como Singapura, Gana e Malásia, estão em negociação.
Em setembro, o Brasil anunciou o primeiro aporte de US$ 1 bilhão e tenta ampliar o grupo de apoiadores até o lançamento oficial.
“O Brasil vai liderar pelo exemplo e se tornar o primeiro país a se comprometer com investimento no fundo, com 1 bilhão de dólares”, disse Lula à época.
“As florestas tropicais são fundamentais para manter vivo o proposito de limitar o aquecimento global a 1,5°C. O TFFF não é caridade, é um investimento na humanidade e no planeta contra a ameaça de devastação pelo caos climático”, acrescentou.
Entre os potenciais financiadores estão Noruega, Alemanha, França, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos, que já têm histórico de apoio a programas de preservação florestal, como o Fundo Amazônia.
O lançamento oficial deve ocorrer durante a Cúpula de Líderes da COP30, quando chefes de Estado apresentarão compromissos e novas metas climáticas.
A Cúpula foi convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e organizada pela Presidência brasileira da COP30.
Em dois dias, haverá pronunciamentos na plenária e três mesas de alto nível.
Na primeira sessão, dedicada a florestas e oceanos, Lula deve apresentar oficialmente o Fundo.
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4. Quais são as principais críticas?
Apesar de ser apresentado como um modelo inovador, o TFFF vem recebendo críticas de ambientalistas, movimentos sociais e organizações internacionais.
As principais preocupações se concentram em três pontos:
a dependência de investidores privados,
o risco de desigualdade na distribuição dos recursos;
e a falta de garantias de que o dinheiro chegue efetivamente às comunidades que protegem as florestas no dia a dia.
Entidades como o Greenpeace têm feito alertas sobre pontos considerados frágeis no desenho do mecanismo. A ONG, por exemplo, destaca o risco de que o modelo priorize retornos financeiros aos investidores, deixando em segundo plano o financiamento direto da proteção florestal.
Segundo a organização, isso poderia colocar os países detentores de florestas tropicais em posição de desvantagem, já que a estrutura de governança do fundo tende a ser dominada por patrocinadores de países desenvolvidos, o que levanta dúvidas sobre equidade e poder de decisão.
Em um relatório, o Greenpeace também chamou atenção para a falta de critérios claros de sustentabilidade e a ausência de salvaguardas robustas que impeçam o investimento em setores com histórico de impacto ambiental, como madeireira industrial, mineração, agronegócio ligado ao desmatamento e combustíveis fósseis.
A preocupação é que, sem regras mais rígidas, o fundo possa comprometer seus próprios objetivos de conservação.
Outro ponto de atenção diz respeito à meta de destinar pelo menos 20% dos recursos diretamente a povos indígenas e comunidades locais.
Embora o compromisso tenha sido anunciado publicamente e formalizado em parceria com a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), ambientalistas e lideranças sociais pedem mecanismos mais claros de transparência e acesso direto aos recursos, para evitar que o dinheiro fique retido em estruturas intermediárias.
Essas organizações argumentam que, sem participação efetiva na gestão e na tomada de decisões, há o risco de que os povos e comunidades que mais contribuem para manter as florestas em pé não sejam devidamente beneficiados.
5. Por que o fundo é estratégico para o Brasil e a COP30?
O TFFF é considerado estratégico para o Brasil e para a COP30 porque se tornou uma das principais vitrines diplomáticas do país na conferência.
O objetivo é mostrar que a proteção das florestas, em especial da Amazônia, da qual o Brasil detém cerca de 60%, além do Cerrado e da Mata Atlântica, não deve ser vista apenas como uma responsabilidade local, mas como um investimento global essencial para o equilíbrio climático e a estabilidade do planeta.
Na prática, o Brasil busca reforçar a ideia de que as florestas tropicais prestam um serviço ambiental que beneficia toda a humanidade e, portanto, devem ser remuneradas de forma previsível e contínua.
Essa estratégia também fortalece o discurso histórico de que os países desenvolvidos, principais responsáveis pelas emissões acumuladas de gases de efeito estufa, precisam contribuir financeiramente com os países do Sul Global para compensar as desigualdades e permitir uma transição justa.
“Já exploramos demais a natureza para gerar recursos financeiros e bens materiais. Agora, é hora de usar os recursos que geramos com essa exploração para proteger a natureza”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em setembro.
“Somos constantemente cobrados por depender apenas de dinheiro público para essa proteção, mas o Fundo Florestas Tropicais para Sempre representa uma virada de chave”.
Obras no Parque da Cidade da COP30
PABLO PORCIUNCULA/AFP
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Fonte: g1
